Segue a entrevista com o ímpar Eduardo Silva, o Edu. Além de um grande amigo, pessoa, com fortíssimas raízes na cultura afro-urbana, um excelente profissional. Quer queira, quer não, uma referência para nós irmãos pretos!
Por Antonio Bernardo Araújo Jr.
Durante a entrevista ouvíamos a ‘abrasileirada’ Leni Andrade (por escolha dele) e Chico Buarque (escolha minha), Cd’s retirados de uma gaveta organizados em ordem alfabética. Descontraído, bem humorado e versátil o ator, diretor, apresentador, cantor, músico e ex-professor de biologia Eduardo Silva, 45 anos, 31 de profissão, comentou de primeira: “Não sei o que sou. Para alguns sempre fui o ‘nego doce’. Busquei minha negritude com o tempo, afinal não jogava bola como a maioria do pessoal de minha idade, não jogava capoeira, na época não era macumbeiro, e, só posteriormente virei um sambista. Além disso, tive oportunidades que ainda hoje algumas pessoas não têm desde cedo, entendeu?”
Deparei-me com uma pessoa que fala com propriedade. Um grande artista, ou como ele mesmo se demonstrou: ‘uma fusão ou confusão de pessoa com arte’. Um homem definitivamente expressivo, metódico e bem humorado. Sensações brotaram no decorrer da entrevista, entre elas a de irmandade. O que era uma matéria, no entanto, virou uma conversa descontraída, uma troca de idéias e, Eduardo não escondeu pontos de defeitos através das palavras, gestos expressivos e receio em apresentar sua particularidade.
Conheça um pouco desse figuraça.
Antonio Bernardo: Você é de São Paulo, certo? Como foi sua infância e sua formação?
Eduardo: Isso. Sou de São Paulo. Fui educado por minha madrinha, Dona Olga, uma descendente de italiano bem rígida. Estudei na escola pública Caetano de Campos, um colégio modelo no Centro de SP. Para eu poder entrar minha madrinha teve que fazer um verdadeiro barraco porque não era comum aceitar um negrinho pra estudar lá. A diretora tentou barrar minha matrícula alegando não haver vagas.Quando concluí o colégio, em 82 fui orador da turma, e como se fosse hoje, recordo de minha madrinha falar para a diretora, a mesma que tentou me boicotar no primário: “A senhora lembra do que me disse desse menino em 71? Pois, é.’’
Também fiz cursinho e ingressei na Universidade de São Paulo em 83.
E sobre sua família?
Não conheci meu pai. Tenho dois irmãos. Minha mãe era muito bonita e cobiçada, mas tinha uma vida bem agitada e, também, uma boca dura. A Dona Olga cuidou muito bem de mim e apesar de ela ser racista, comigo não tinha problemas do tipo. Faleceu com 86 anos e ainda virgem. Imagina uma senhora com essa idade, do jeito que ela era e ainda sem conhecer sexo. Não a culpo por ser tão severa [risos]. Mas a família quem dá uma estrutura de postura religiosa, social e responsável.
Eu percebo que você é bem saudoso ao falar da família. Sua mãe ou sua madrasta mora contigo?
Não. Moro sozinho. Ambas faleceram em 2003
Você também além de ator é professor. Como foi sua trajetória lecionando?
Comecei a dar aulas para melhorar meu orçamento e garantir meu futuro. Dei aula em cursinhos pré-vestibulares. Foram cinco anos no Colégio e cursinho Objetivo e dez no Anglo. Quando comecei foi uma polêmica nas instituições. Os outros professores se incomodavam com meu progresso em tão pouco tempo. Imagine o pensamento dos demais professores: - o negrão chegou agora e já está com as turmas que em dez anos eu não peguei – havia muito ciúmes. Daí a desculpa era que eu era ator e pra dar aulas eu atuava em sala de aula. Mas aluno tem senso crítico, não há a possibilidade de ficar interpretando por muito tempo, eles iam perceber e ver que era uma enganação. Ser ator ajuda, mas nada substitui a aula de biologia. Também incomodava os alunos com várias questões. Numa aula de digestão, por exemplo, um conteúdo complicado, começava falando de enzimas digestivas, ia para digestão, nutrição, alimentação, falta de alimentação, fome, famintos e terminava discutindo sobre a pobreza. Sempre dava uma cutucada com um papo-cabeça pra finalizar.
Então você levanta uma bandeira de questões e políticas sociais?
Claro. Esse assunto deve ser discutido de verdade. Até mesmo individualmente. Nós, pessoas devemos ser de fato melhoradas em vários pontos e confesso que lecionando ganhei um enorme conhecimento de vida.
Temos uma variedade de problemas com a população negra. Qual a possível solução para a valorização dos afros-descendentes na sociedade?
Não adianta, tem que estudar. Quando você estuda os caras já não te respeitam. Vejo nos estudos uma possibilidade de sobrevivência para a negrada. Falo isso para os amigos, para as pessoas da minha família. Temos que entrar na academia.
Mas entre o ainda infeliz perfil da maioria dos negros no Brasil você se acha exceção?
Nem pensar. O que é exceção? Quando o cara é negro pobre, não rouba, não se marginaliza, não vira fruto do crime ele que ele tem que ser visto como uma exceção. Na prática ele que é o normalzinho de toda a droga da história, que é a exceção. Eu não sou exceção.
E como você se tornou ator?
Com seis anos já fazia alguns trabalhos como ator, mas todos esporádicos. Comecei com uma pessoa me vendo na rua e achando que eu era um gordinho interessante. Fui convidado para participar do programa do Moacir Franco e posteriormente participei e fui aprovado em uma seleção no SBT. Em 78 fiz minha primeira novela, Solar Paraíso, estava então com 14 anos.
Qual sua preferência tevê ou teatro?
Os dois. Ambos são bons, mas a Tevê te dá uma visibilidade em um espaço curto de tempo.
Impossível não perguntar: como é ser intitulado como o sucessor do mineiro Sebastião Bernardes de Souza Prates, o Grande Otelo?
Orgulho... É isso que eu sinto. Só não quero morrer como ele. O cara era fantástico, intuitivo, já eu sou um técnico.Um dia foi convidado para receber mais um dos muitos prêmios pelo Sérgio Mamberti e respondeu: É um prazer, mas eu já tenho tantos troféus. Do que adianta tanto troféu se não tenho nem dinheiro pra comer. Mesmo assim viajou para França para tal evento e morreu no aeroporto - então é complicado terminar numa situação dessa. Também tenho muitos prêmios, mas quero ser valorizado, recompensado com o que faço e reconhecido pela qualidade do meu trabalho. Nos Estados Unidos têm muitos problemas, mas o artista é bem pago pelo trabalho que realiza e ponto final, o que é visivelmente diferente aqui no Brasil.Mas tem algum trabalho que você ainda não realizou?
Não posso dizer que como ator tenho algo a desejar, fiz muitos trabalhos. O problema é que têm vários trabalhos não conhecidos, entre eles alguns infantis. Sou realizado como ator
E os futuros projetos?
Estou em um momento diferente de minha carreira. Não devo esperar ninguém me chamar. Estou produzindo. Já em projeto tem uma obra com atores negros, na correria com a formação de elenco, um musical envolvendo o samba. Também estou trabalhando em uma agenda de palestras com jovens de 11 a 13 anos nas escolas e estou atuando em breve uma nova temporada de ‘Os Campos de Piratininga’ um musical extraordinário que conta a história da cidade de são Paulo e do futebol. É isso.
Eduardo defina pra gente...
Homosexualismo - Genético
Sexo - O tripé de qualquer relacionamento
Dinheiro - Mal necessário
Polícia - Vítimas que se acham poderosas
Família - Alicerce fundamental, mas hoje não priorizado como se deveria
Conflitos internos - Compulsão, bipolaridade e sou muito intenso em tudo que faço
Olga - Uma baita mãezona de caráter
Moacir Franco - Sempre que precisei me acolheu
Defeito - Atraso
Amor - Está em falta
Imprensa - Têm de todos os tipos
Música - Barco que me faz navegar. Forma de falar de amor

